Viagem Atribulada (continuação 4)

Já estávamos no ar há algum tempo quando uma voz, que me pareceu doce e tímida, me acordou do estranho transe em que mergulhara e me perguntou:

– Tem medo de aviões? – olhei para o meu lado esquerdo e deparei-me com os olhos mais meigos que alguma vez havia visto. Tratava-se de Pedro, um dos jogadores da Selecção que jogava no estrangeiro. O mesmo que a Marta afirmara ser o melhor do mundo.

- De modo algum. – respondi secamente.

- Parecia que estava com medo. – disse-me.

- Não. Estava apenas a pensar. – retorqui-lhe.

- Pois eu confesso-lhe que tenho um certo receio. Acho que nunca me consegui habituar a estas máquinas... – sorri-lhe, olhei para o lado e reparei que a minha prima havia adormecido, pelo que decidi continuar a conversa que Pedro, a tanto custo, havia iniciado comigo.

- Eh... – começou. – Eh... – comecei ao mesmo tempo. Para me tentar desembaraçar da falta de oportunidade, disse – Desculpe. Diga. – ao que ele me respondeu:

- Não!! Não! Diga primeiro, é certamente mais interessante. – perante isto, continuei:

- Na realidade a palavra ideal é curioso, não interessante. – e começámos a rir, sem nenhum motivo aparente, a não ser o simples nervosismo que estes momentos de descoberta de uma nova pessoa, provocam. - Ia perguntar-lhe se a Selecção teve algum treino na Austrália? – perguntei momentos depois.

- Não. Viemos apoiar a delegação portuguesa aos Jogos Olímpicos. Mas porque pergunta? Gosta de futebol? – continuou.

- Gosto. Mas, ultimamente não tenho podido seguir o que se passa. – respondi-lhe.

- E que faz na Austrália? Se não se importa que lhe pergunte. – perguntou-me delicadamente

- Não, de todo. Tenho estado a trabalhar com o ICEP em Sidney e regresso finalmente a casa.

- E onde mora, em Portugal? – perguntou, com algum receio de estar a querer saber de mais e que tal podesse fazer com que a nossa conversa terminasse ali.

- Você é muito curioso. – disse-lhe divertida, pronta a brincar um pouco com o medo que ele deixava transparecer na voz.

- Ohm... Desculpe-me – respondeu-me envergonhado

- Não faz mal. – decidi por fim responder - Moro em Queluz. – disse-lhe, soltando uma gargalhada. Ele riu-se também.

- A rapariga é sua irmã?

- Não. É minha prima. – a conversa começava a ter contornos de entrevista, mas não me importei, afinal de contas, sempre era uma maneira de passar o tempo e, dessa forma, a conversa continuou animada, aumentando o nível de intimidade entre nós. De repente, ele diz-me:

- É tão bom ter com quem conversar, não achas? – ao que lhe respondi, algo surpresa:

- Mas tu estás bem acompanhado! Eu é que estou sozinha! – disse esta frase sem saber muito bem porquê. Na verdade não estava sozinha, tinha a companhia da minha prima Marta; mas naquela altura, a sensação de vazio, de solidão e de saudades de tudo quanto tinha em Portugal faziam-se anunciar com uma força e intensidade angustiantes. Talvez fosse o aproximar do final, desta longa ausência.

- Sim, mas já estou um bocado cansado deles. É tempo demais para tantos homens estarem juntos, comerem juntos, tomarem banho juntos. E para além disso, o assunto é sempre o mesmo: Futebol. Não tarda muito dá para o torto, não achas?– Concluiu ele com um sorriso maroto. Sorri-lhe também.

- Vejo que estão bem animados! Isso é que é! À primeira oportunidade já estás a atacar! – gracejou o Nuno, o mesmo rapaz que me ajudara com o embarque Ele tinha-se levantado, mal havia sido permitido e, passando pela copa, veio ao nosso encontro com três copos de champagne na mão. – Toma um para ti. – disse entregando um dos copos ao Pedro e perguntando-me – Também bebe? – ao que respondi:

- Sim. Com certeza! Vem mesmo a calhar! – tudo era válido para me ajudar a alienar-me do facto de estar num avião.

Viagem Atribulada (continuação 3)

A equipa de futebol já estava na fila para o embarque e, ao repararem na nossa situação, um deles, o Nuno, dirigiu-se a nós e gracejou:

- Estão a tentar bater algum record?! – rimo-nos e imediatamente ele pegou nos passaportes e nas passagens, que estavam na minha mão esquerda, dizendo – Permitam-me que vos ajude – pegou num dos sacos e avançámos. Quando já estávamos na manga ele disse-me - Está em primeira classe! Isso facilita as coisas. – chegámos ao avião.

A assistente de bordo indicou-nos os lugares e auxiliou-nos com a bagagem. Agradeci-lhe e ela desejou-nos uma boa viagem, sorrindo. O Nuno entregou-me o saco que carregava, despedindo-se, Eu acenei-lhe com a cabeça e agradeci com um sorriso.

Recordo-me de ter ficado maravilhada com o seu cabelo, era realmente belo, brilhante e com um aspecto muito sedoso. Mais tarde pensei em qual teria sido a razão de ter ficado tão impressionada com o seu cabelo e de não ter observado os seus olhos. Presto sempre atenção aos olhos, para mim os olhos são o mais importante num ser vivo, são o espelho da sua alma. Os olhos dizem sempre tudo, pelo menos eu assim o pensava na altura. Para dizer a verdade, ainda penso... Apesar de tudo.

Depois de nos acomodarmos nos nossos lugares, decidi dar uma vista de olhos pelo avião. Os jogadores de futebol ocupavam quase todo o compartimento da 1ª classe e, para além deles e de nós, apenas viajam dois conhecidos actores da grande tela, Miguel Villacastin, um actor espanhol que estava a fazer furor em Hollywood, e John Lewis, um dos maiores sex symbols americanos.

Sentei-me e esperei ansiosamente que o avião descolasse. Todo este compasso de espera e, principalmente, os momentos da descolagem e da aterragem provocam em mim um nervosismo e uma ansiedade inexplicáveis. Talvez seja por serem os momentos em que eu tomo consciência do vazio que medeia o avião, do chão firme, que eu tanto prezo. Para me acalmar, distrair e fazer passar o tempo mais depressa, ajeitei o ar-condicionado, liguei a luz de leitura e apertei o cinto de segurança, enquanto conversava banalidades com a Marta. O meu plano havia resultado. Em menos de nada, uma voz que me soou estranhamente familiar, anunciou que o avião iria iniciar a descolagem. Olhei instintivamente para a Marta, que me deu a mão, apertando-a, como que me dizendo: “Não te preocupes, vai correr tudo bem”, e fechei os olhos. Necessitava, naquele momento, de me abstrair do mundo e assim permaneci por alguns minutos.

Viagem Atribulada (continuação 2)

Sydney Havia muito movimento no aeroporto, o calor sufocava, crianças suadas corriam de um lado para o outro com canetas e papeis na mão. Algumas aglomeravam-se em círculos e, por entre cotoveladas e empurrões, conseguiam chegar ao centro. Pouco depois saíam com um ar triunfante, gritando – Mamã!! Papá!!! Consegui!!! Eles assinaram a minha bola! – Seguindo depois o seu caminho, cheios de orgulho, com a mão dada ao pai. Estava eu perdida na observação destes acontecimentos quando, subitamente, fui interrompida pela minha prima.

- Que barafunda! Já viste? Quem é que será o centro de tanta atenção?!

- Algum “actorzeco” de cinema. – respondi-lhe, não manifestando nenhum interesse em particular.

- Acho que vou até lá ver quem é. – disse-me Marta, levantando-se e dirigindo-se para o meio da confusão.

- Não te demores! Olha que devem estar prestes a chamar para o embarque. – lembrei-lhe.

- Não te preocupes, volto já. – e dizendo isto, deu-me costas e continuou a andar.

Entretanto, a segurança tinha já conseguido afastar uma boa parte da multidão em histeria e, agora, já se conseguia ver qual o alvo de tanta atenção. Eram, nada mais nada menos, que os jogadores da Selecção Portuguesa de Futebol. Reconheci de imediato alguns deles e recordo-me de ter ficado intrigada com as feições de outros que desconhecia e, embora não seja uma grande adepta desta modalidade desportiva, acabei por ficar a observá-los fixamente. Vicente, um dos jogadores, olhou para mim. Eu, envergonhada, chamei a Marta, (que já se encontrava em amena cavaqueira com os jogadores), peguei, rapidamente, numa revista que levava comigo e folheei-a, para disfarçar.

- Já vou Ana! Só mais um bocadinho. – respondeu-me Marta.

- ‘Tá bem! Mas não te demores. – adverti-a, olhando novamente na direcção das vedetas e, ao verificar que já não me olhavam, senti-me aliviada.

- Já consegui um autógrafo do Pedro!! – diz-me Marta visivelmente excitada, uns bons cinco minutos depois.

- Mas tu sabes quem ele é?! – perguntei, algo surpreendida.

- Claro que sim! É um dos melhores jogadores do mundo e o meu pai é um grande fã dele. Eu, para ser sincera, não ligo muito a futebol, mas tens que concordar que ele é um borracho! – respondeu-me.

- É verdade, se não fosse comprometida, chamava-lhe um figo! – disse-lhe e rimos ambas com vontade.

Mal acabei de proferir estas palavras deram o sinal de embarque pelos altifalantes, ao que eu e Marta nos levantámos, começando a carregar a imensa bagagem de mão que transportávamos connosco. Quase caímos de tão carregadas que estávamos. Procurei na carteira os passaportes e os bilhetes e, quando os encontrei, coloquei-a ao ombro, desabafando para a Marta:

- Maldito calor!! – ao que ela anuiu.

1º Capítulo - Uma viagem atribulada



Encontramo-nos numa ilha, toda ela rodeada de um mar com a claridade e a limpidez do cristal e da cor azul do céu sem nuvens. É um belo mar, cheio de vida, cheio de conhecimentos que, porém, ninguém conhece, nem julga conhecer.
Estou a olhar o mar, sentada na areia. O Alexandre brinca feliz com umas conchinhas que havia encontrado. Fecho os olhos, respiro o ar fresco que circula do mar, ouço o barulho das ondas a baterem na areia... E então recordo:
O calor e a humidade que se faziam sentir em Sidney, aumentavam as minhas saudades. Há quanto tempo eu ansiava por voltar a Portugal, voltar a ver o meu noivo e tudo o que deixara dois anos atrás quando decidira aceitar o convite de trabalho do ICEP, na Austrália. Contudo, o momento por que tanto esperava estava prestes a realizar-se, só faltava entrar no avião e enfrentar a longa viagem de regresso a casa.
Na realidade, não vivera esta minha aventura completamente sozinha, tinha alguma família na Austrália e eles tinham-me ajudado a enfrentar a distância e a solidão. Principalmente a minha prima Marta, de quinze anos, que, apesar de ser dez anos mais nova que eu, tinha uma maturidade invulgar para a sua idade, tornando-se, por isso, na minha melhor amiga e confidente. Ela acompanhava-me nesta viagem de regresso para conhecer as suas origens e pisar uma terra que só conhecia por fotografia e das histórias que eu e os seus pais contávamos-lhe.