Viagem Atribulada (continuação 3)

A equipa de futebol já estava na fila para o embarque e, ao repararem na nossa situação, um deles, o Nuno, dirigiu-se a nós e gracejou:

- Estão a tentar bater algum record?! – rimo-nos e imediatamente ele pegou nos passaportes e nas passagens, que estavam na minha mão esquerda, dizendo – Permitam-me que vos ajude – pegou num dos sacos e avançámos. Quando já estávamos na manga ele disse-me - Está em primeira classe! Isso facilita as coisas. – chegámos ao avião.

A assistente de bordo indicou-nos os lugares e auxiliou-nos com a bagagem. Agradeci-lhe e ela desejou-nos uma boa viagem, sorrindo. O Nuno entregou-me o saco que carregava, despedindo-se, Eu acenei-lhe com a cabeça e agradeci com um sorriso.

Recordo-me de ter ficado maravilhada com o seu cabelo, era realmente belo, brilhante e com um aspecto muito sedoso. Mais tarde pensei em qual teria sido a razão de ter ficado tão impressionada com o seu cabelo e de não ter observado os seus olhos. Presto sempre atenção aos olhos, para mim os olhos são o mais importante num ser vivo, são o espelho da sua alma. Os olhos dizem sempre tudo, pelo menos eu assim o pensava na altura. Para dizer a verdade, ainda penso... Apesar de tudo.

Depois de nos acomodarmos nos nossos lugares, decidi dar uma vista de olhos pelo avião. Os jogadores de futebol ocupavam quase todo o compartimento da 1ª classe e, para além deles e de nós, apenas viajam dois conhecidos actores da grande tela, Miguel Villacastin, um actor espanhol que estava a fazer furor em Hollywood, e John Lewis, um dos maiores sex symbols americanos.

Sentei-me e esperei ansiosamente que o avião descolasse. Todo este compasso de espera e, principalmente, os momentos da descolagem e da aterragem provocam em mim um nervosismo e uma ansiedade inexplicáveis. Talvez seja por serem os momentos em que eu tomo consciência do vazio que medeia o avião, do chão firme, que eu tanto prezo. Para me acalmar, distrair e fazer passar o tempo mais depressa, ajeitei o ar-condicionado, liguei a luz de leitura e apertei o cinto de segurança, enquanto conversava banalidades com a Marta. O meu plano havia resultado. Em menos de nada, uma voz que me soou estranhamente familiar, anunciou que o avião iria iniciar a descolagem. Olhei instintivamente para a Marta, que me deu a mão, apertando-a, como que me dizendo: “Não te preocupes, vai correr tudo bem”, e fechei os olhos. Necessitava, naquele momento, de me abstrair do mundo e assim permaneci por alguns minutos.

Viagem Atribulada (continuação 2)

Sydney Havia muito movimento no aeroporto, o calor sufocava, crianças suadas corriam de um lado para o outro com canetas e papeis na mão. Algumas aglomeravam-se em círculos e, por entre cotoveladas e empurrões, conseguiam chegar ao centro. Pouco depois saíam com um ar triunfante, gritando – Mamã!! Papá!!! Consegui!!! Eles assinaram a minha bola! – Seguindo depois o seu caminho, cheios de orgulho, com a mão dada ao pai. Estava eu perdida na observação destes acontecimentos quando, subitamente, fui interrompida pela minha prima.

- Que barafunda! Já viste? Quem é que será o centro de tanta atenção?!

- Algum “actorzeco” de cinema. – respondi-lhe, não manifestando nenhum interesse em particular.

- Acho que vou até lá ver quem é. – disse-me Marta, levantando-se e dirigindo-se para o meio da confusão.

- Não te demores! Olha que devem estar prestes a chamar para o embarque. – lembrei-lhe.

- Não te preocupes, volto já. – e dizendo isto, deu-me costas e continuou a andar.

Entretanto, a segurança tinha já conseguido afastar uma boa parte da multidão em histeria e, agora, já se conseguia ver qual o alvo de tanta atenção. Eram, nada mais nada menos, que os jogadores da Selecção Portuguesa de Futebol. Reconheci de imediato alguns deles e recordo-me de ter ficado intrigada com as feições de outros que desconhecia e, embora não seja uma grande adepta desta modalidade desportiva, acabei por ficar a observá-los fixamente. Vicente, um dos jogadores, olhou para mim. Eu, envergonhada, chamei a Marta, (que já se encontrava em amena cavaqueira com os jogadores), peguei, rapidamente, numa revista que levava comigo e folheei-a, para disfarçar.

- Já vou Ana! Só mais um bocadinho. – respondeu-me Marta.

- ‘Tá bem! Mas não te demores. – adverti-a, olhando novamente na direcção das vedetas e, ao verificar que já não me olhavam, senti-me aliviada.

- Já consegui um autógrafo do Pedro!! – diz-me Marta visivelmente excitada, uns bons cinco minutos depois.

- Mas tu sabes quem ele é?! – perguntei, algo surpreendida.

- Claro que sim! É um dos melhores jogadores do mundo e o meu pai é um grande fã dele. Eu, para ser sincera, não ligo muito a futebol, mas tens que concordar que ele é um borracho! – respondeu-me.

- É verdade, se não fosse comprometida, chamava-lhe um figo! – disse-lhe e rimos ambas com vontade.

Mal acabei de proferir estas palavras deram o sinal de embarque pelos altifalantes, ao que eu e Marta nos levantámos, começando a carregar a imensa bagagem de mão que transportávamos connosco. Quase caímos de tão carregadas que estávamos. Procurei na carteira os passaportes e os bilhetes e, quando os encontrei, coloquei-a ao ombro, desabafando para a Marta:

- Maldito calor!! – ao que ela anuiu.

1º Capítulo - Uma viagem atribulada



Encontramo-nos numa ilha, toda ela rodeada de um mar com a claridade e a limpidez do cristal e da cor azul do céu sem nuvens. É um belo mar, cheio de vida, cheio de conhecimentos que, porém, ninguém conhece, nem julga conhecer.
Estou a olhar o mar, sentada na areia. O Alexandre brinca feliz com umas conchinhas que havia encontrado. Fecho os olhos, respiro o ar fresco que circula do mar, ouço o barulho das ondas a baterem na areia... E então recordo:
O calor e a humidade que se faziam sentir em Sidney, aumentavam as minhas saudades. Há quanto tempo eu ansiava por voltar a Portugal, voltar a ver o meu noivo e tudo o que deixara dois anos atrás quando decidira aceitar o convite de trabalho do ICEP, na Austrália. Contudo, o momento por que tanto esperava estava prestes a realizar-se, só faltava entrar no avião e enfrentar a longa viagem de regresso a casa.
Na realidade, não vivera esta minha aventura completamente sozinha, tinha alguma família na Austrália e eles tinham-me ajudado a enfrentar a distância e a solidão. Principalmente a minha prima Marta, de quinze anos, que, apesar de ser dez anos mais nova que eu, tinha uma maturidade invulgar para a sua idade, tornando-se, por isso, na minha melhor amiga e confidente. Ela acompanhava-me nesta viagem de regresso para conhecer as suas origens e pisar uma terra que só conhecia por fotografia e das histórias que eu e os seus pais contávamos-lhe.